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Viagem Semiótica: Flying Eyeball (BG-105)1

Produzido para uma série de shows de Jimi Hendrix, John Mayall e Albert King no Fillmore e no Winterlad em 1968, o "Flying Eyeball" é considerado por muitos a obra-prima de Rick Griffin e, assim como "Skull and Roses", é carregado de um simbolismo místico ligado à sua personalidade. Assim como nos pôsteres analisados anteriormente, o foco nesse trabalho de Griffin se concentra no principal elemento gráfico construtivo: o assustador globo ocular que surge através de um portal transcendental, contornado por chamas de hot-rod, carregando um crânio em suas garras.


Flying Eyeball (BG-105), Rick Griffin, 1968.
Flying Eyeball (BG-105), Rick Griffin, 1968.
Fonte: OWEN; DICKSON, p. 75, 1999.

A imagem do globo ocular alado fazia parte, desde os anos 1950, da cultura hot-rod do sul da Califórnia, onde Griffin cresceu, sendo a imagem mais conhecida a assinatura de um dos grandes nomes da customização de automóveis da época, Kenny Howard, conhecido como Von Dutch. Porém, ao contrário do trabalho de Griffin, a ilustração de Von Dutch era mais amigável. Os motivos da escolha de Griffin pelo globo ocular, supõe Davis2 – que seria presença constante em sua obra –, vão desde uma homenagem a Von Dutch até questões mais pessoais e religiosas.


Pintura com o logotipo de Von Dutch.
Pintura com o logotipo de Von Dutch.
Disponível em: <http://www.vondutch.com/m/>. Acesso em 19 ago. 2014.

No catálogo da exposição "Heart and Torch: Rick Griffin's Transcendence", Doug Harvey3, um dos curadores, conta que em 1963 Griffin pretendia viajar para a Austrália e para isso pegou uma carona em direção a São Francisco, onde compraria as passagens. Porém, durante o percurso o motorista perdeu o controle do carro e capotou, jogando Rick pela janela.

Ele ficaria em coma por várias semanas antes de acordar com o rosto desfigurado, o olho esquerdo deslocado e alguém lendo o Salmo 23 ao seu lado. O evento mudaria não só sua aparência, mas seria fundamental na sua conversão ao cristianismo4, a mudança no estilo de sua arte e, consequentemente, uma melhor compreensão de Flying Eyeball.


Rick Griffin no início dos anos 1960 e fotografado por Bob Seidemann em 1976.
Rick Griffin no início dos anos 1960 e fotografado por Bob Seidemann em 1976.
Disponíveis em: <http://encyclopediaofsurfing.com/entries/griffin-rick> e <http://www.wolfgangsvault.com/rick-griffin-art-exhibition/poster-art/program/RON760811-A.html>. Acesso em 19 ago. 2014.

Em um artigo5 de 1996, o colecionador de pôsteres e autor do livro "The Collectors Guide to Psychedelic Posters", Eric King, oferece uma leitura do pôster pelo viés religioso. No texto, King supõe que após o acidente Griffin passou a ter visões religiosas, nas quais ele passou a ficar cada vez mais imerso e que eram representadas em seus trabalhos, como pode ser visto em BG-136 e BG-140.


Heart and Touch (BG-136) e BG-140, Rick Griffin, 1968.
Heart and Touch (BG-136) e BG-140, Rick Griffin, 1968.
Fonte: OWEN; DICKSON, p. 75, 1999.

A sua ligação com o simbolismo cristão pode ser vista em "Pieta", uma releitura com inversão de papéis do fotógrafo Bob Seidemann, onde o artista encarna o papel de um Jesus hippie e mostra sua imersão no imaginário religioso e cristão.


Pieta, Bob Seindemann, 19676.
Pieta, Bob Seindemann, 1967.
Disponível em: <http://www.wolfgangsvault.com/pieta/poster-art/poster/ZZZ007373.html>. Acesso em 20 ago. 2014.

Contudo, as figuras simbólicas do imaginário cristão poderiam se tornar assustadoras com o uso de psicodélicos, por isso, ao contrário de outros pôsteres, "Flying Eyeball" mostra uma visão mais assustadora onde ele consegue "transmitir as profundezas de sua desolação para que possamos entender quais eram seus sentimentos naquele instante sombrio e estéril" (KING, 1996, tradução nossa). Na interpretação de King (1996), algo que incomodava Griffin nessa época era uma característica comum da cultura hippie: o conflito entre as duas formas básicas de amor, o amor espiritual e o amor carnal.

Todo hippie com que eu conversei aspirava chegar a um plano espiritual mais elevado do que o oferecido pela cultura materialista do final de 1950 e início de 1960, [...] e eles procuravam iniciar esta busca de amor espiritual, amor ao próximo, pelo sentido carnal. Também era considerada uma boa ideia este êxtase carnal ser potencializado pelo consumo de uma grande variedade de produtos farmacêuticos lícitos e ilícitos (KING, 1996, tradução nossa).

A resposta às dúvidas de Rick, continua King (1996), estava na religião e, por isso, ele viu pecado na complacência com o carnal, e soube que havia pecado. No entanto, enquanto a maioria das pessoas passava anos sendo consumida internamente por esse tipo de conflito, ele conseguiu transformar sua agitação interna em arte. Por isso, o globo ocular alado pode ser a interpretação do olho que tudo vê, o olho de Deus, diante do qual Rick sentiu que todos eram pecadores e avisava sobre o que ele acreditava ser o destino daqueles que não aceitassem Jesus, como ele havia feito.

Essa observação é mais bem compreendida e reforçada quando são compreendidos os simbolismos por trás dos elementos da ilustração. O olho pode representar o ato de ver, que, como relata Cirlot (1984), pode corresponder a uma ação espiritual e simbolizar o compreender, enquanto as asas, no simbolismo cristão, "não são mais que a luz do sol de justiça, que ilumina sempre as inteligências dos justos" (CIRLOT, p. 104).

O crânio que a criatura segura pode representar o memento mori que, conforme o Museu de Arte e Arqueologia da Universidade do Missouri7, é uma expressão latina que significa algo como "lembre-se que você é mortal", "lembre-se que você vai morrer". A expressão era ilustrada nas pinturas da Idade Média através de ampulhetas, o ceifador com sua foice ou o crânio – que, como explicado anteriormente, também representa a decadência da existência.


Vanitas, Philippe de Champaigne, 1671. A representação da vida, morte e tempo.
Vanitas, Philippe de Champaigne, 1671. A representação da vida, morte e tempo.
Disponível em: <http://www.artofmanliness.com/2012/10/29/memento-mori-art/>. Acesso em 20 ago. 2014.

Essa temática simbolista, salienta Davis8, iria ficar cada vez mais evidente nos anos seguintes quando ele começou a ilustrar a revista em quadrinhos underground Zap Comix, criada pelo cartunista Robert Crumb. No segundo número da revista, por exemplo, Griffin apresenta "uma versão mais sobrenatural dos globos oculares como anunciadores do juízo final. Os olhos são divididos entre formas angelicais e demoníacas que se unem para representar Cristo, o Alpha e o Omega" (DAVIS, 2012, tradução nossa).


Ilustração de Rick Griffin para Zap Comix #2.
Ilustração de Rick Griffin para Zap Comix #2.
Disponível em: <http://hilobrow.com/2012/07/24/pop-arcana-6/>. Acesso em 20 ago. 2014

Dessa forma, a mensagem conotada de "Flying Eyeball" seria uma representação das imagens que surgiram dos questionamentos internos de Griffin. Ele tenta fazer com que as pessoas compreendam a sua mortalidade e a necessidade de uma transformação espiritual para evitar o destino dos pecadores, "o lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte" (Apocalipse 21:8). Sob esse ponto de vista, o pôster se transforma em um trabalho carregado de narrativa pessoal, seja em razão dos traumas físicos causados pelo acidente ou pela sua conversão, quando, para ele, a experiência psicodélica passou a ser uma experiência mística e religiosa.


Leia também: Viagem Semiótica: The Sound (BG-29), Wes Wilson.
Leia também: Viagem Semiótica: Skull and Roses (FD-26), Mouse & Kelly.
Leia também: Viagem Semiótica: Neon Rose #2 (NR-2), Victor Moscoso.

Rafael Hoffmann (Setembro/2014)
Esse texto é parte da dissertação "Música Colorida: Uma viagem cultural e estética pelo movimento psicodélico de São Francisco e seus reflexos na linguagem gráfica dos pôsteres de shows entre 1965 e 1696".


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Notas


1 Os pôsteres produzidos para eventos da Family Dog no Avalon Ballroom ganhavam um registro numerado, do tipo FD1 (Family Dog 1), porém muitos ficavam conhecidos não só pelos números de identificação, mas também por "apelidos" como por exemplo "Skull and Roses" (FD 26), "Girl With Green Hair" (FD 29), "Sin Dance" (FD 6). Pôsteres para eventos que não aconteciam no Avalon geralmente eram classificados como "Family Dog Unnumbered Series". Os produzidos por Bill Graham também seguiam esse padrão e eram identificados com o código BG-1, por exemplo (OWEN; DICKSON, 1999).
2 Disponível em: <http://hilobrow.com/2012/07/24/pop-arcana-6/>. Acesso em 20 ago. 2014.
3 Disponível em: <http://www.dougharvey.la/doug_harvey.php?ID=127>. Acesso em 19 ago. 2014.
4 Nessa época surgiu na Costa Oeste o Jesus movement, uma vertente do cristianismo dentro da cultura hippie. Os membros do movimento eram conhecidos como Jesus people ou Jesus freaks.
5 Disponível em <http://www.therose7.com/eyeball.htm>. Acesso em 20 ago. 2014.
6 Nas palavras de Seindemann, a foto "era um retrato do fim da cena hippie, do fim do amor, da morte". Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2014.
7 Disponível em: <http://maa.missouri.edu/exhibitions/finalfarewell/mementointro.html>. Acesso em 20 ago. 2014.
8 Disponível em: <http://hilobrow.com/2012/07/24/pop-arcana-6/>. Acesso em 20 ago. 2014.. Acesso em 17 ago. 2014.
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Referências


CIRLOT, Juan-Eduardo. Dicionário de símbolos. São Paulo: Editora Moraes, 1984.
DAVIS, Erik. Pop Arcana (6): Rick Griffin, Superstar (Part One). 2012. Disponível em: <http://hilobrow.com/2012/07/24/pop-arcana-6/>. Acesso em: 20 ago. 2014.
HARVEY, Doug. Rick Griffin: Just Another MAD artist or Draftsman of the Sacred?. 2007. Disponível em: <http://www.dougharvey.la/doug_harvey.php?ID=127>. Acesso em 19 ago. 2014.
KING, Eric. Some words on BG-105 Rick Griffin's "Eyeball". 1996. Disponível em: <http://www.therose7.com/eyeball.htm>. Acesso em 20 ago. 2014.
OWEN, Ted; DICKSON, Denise. High Art: A History of the Psychedelic Poster. London: Sanctuary Publishing Limited, 1999.



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