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Controle Absoluto, a gestão na Apple

Por mais que leiamos em tópicos de gestão sobre como o cliente sempre tem razão, que trabalhar em equipe produz os resultados mais criativos, que abertura e transparência são as melhores políticas, ao olhar para o sucesso da Apple pode-se perceber que as técnicas de gestão mais eficazes, muitas vezes, contrariam o senso comum. Para Leander Kahney, escritor especializado em assuntos relacionados à Apple, nenhuma outra empresa tem se revelado tão hábil em dar aos clientes o que eles querem antes mesmo de saberem que querem. Sem dúvida, isto acontece devido à visão criativa de Steve Jobs, o fundador e ex-CEO da Apple, mas também às suas práticas de gestão. Durante sua administração, a inovação era produto de um intenso e visceral processo, onde, normalmente, os sentimentos das pessoas eram irrelevantes e a palavra de Jobs lei.


Steve Jobs apresentando um iPhone 4 durante a Apple Worldwide Developers Conference em 2010.
Steve Jobs apresentando um iPhone 4 durante a Apple Worldwide Developers Conference em 2010.

Antes que Jobs voltasse ao comando da Apple, depois de ser afastado do cargo de CEO em 1985, a empresa era como a maioria das empresas "descoladas" de tecnologia, os funcionários não tinham horário fixo, chegavam tarde e saíam cedo. Batiam papo no pátio gramado central, jogando bola ou atirando frisbees para seus cães. Porém, nesse período, a empresa entrou em decadência, chegando a perder 1 bilhão de dólares em um ano, e vendo os valores das ações despencarem mesmo em um momento em que a bolha tecnológica levava o valor de outras ações às alturas. Quando voltou, Jobs impôs novas e rigorosas regras. Os funcionários passaram a ser proibidos de fumar ou levar seus cachorros, a companhia voltou a ter um sentimento de urgência e operacionalidade e instalou-se a filosofia do controle completo e absoluto sobre toda a experiência de seu produto, de como era projetado, fabricado, utilizado e até como era vendido.

Esse controle pode ser exemplificado pela limitação de instalar novos aplicativos no iPhone, a série de restrições aos formatos aceitos pelo iPod, a impossibilidade de licenciamento do sistema operacional do Macintosh para outros fabricantes e até mesmo na arquitetura das lojas da Apple. Em uma indústria tecnológica focada no consumidor, para Jobs, eram os produtos que importavam. Essa abordagem de manter controle absoluto sobre hardware, software e serviços não é comum em uma indústria dominada por hackers, engenheiros e pessoas que gostam de personalizar seus produtos de tecnologia.Mas Jobs odiava ceder o controle de qualquer coisa, especialmente quando isso pudesse afetar a experiência do usuário, como a possibilidade de aplicativos ou conteúdos não aprovados "poluírem a perfeição" de um aparelho da Apple. Na biografia escrita por Walter Isaacson, lançada em 2011, ele explica que acreditava que dessa forma estava prestando um serviço às pessoas "Fazemos essas coisas não porque somos fanáticos por controle. Fazemos porque queremos fabricar grandes produtos, porque damos valor ao usuário, porque gostamos de assumir a responsabilidade pela experiência completa, em vez de produzir porcarias como as que outras pessoas fabricam", explicou.

Kahney acredita que a propensão de Jobs a controlar todo o processo gerou bons negócios para a Apple nos últimos tempos, além de ser boa para o projeto e o design de eletrônicos de fácil uso para os consumidores. O controle rígido do hardware e do software gerou reflexos na facilidade de uso, segurança e confiabilidade. Ele e a Apple se tornaram exemplos de uma estratégia digital que integrava solidamente o hardware, o software e o conteúdo em uma unidade indissociável. Mesmo assim a estratégia não deve ser vista como questão de princípios puramente altruístas ou como modelo de gestão para todas as empresas. Primeiro ela levantou controvérsias principalmente quanto ao controle rígido sobre os aplicativos que poderiam ser baixados para o iPhone e o iPad. Mesmo que fizesse sentido tentar evitar aplicativos que contivessem vírus, que violassem a privacidade do usuário ou que não mantivessem o padrão de qualidade da Apple, Jobs e sua equipe foram além e decidiram proibir qualquer aplicativo que difamasse pessoas, tivesse potencial político explosivo ou fosse considerado pornográfico pelos censores da Apple. Para Isaacson, com Jobs controlando os aplicativos que veríamos e leríamos, ele corria o risco de se tornar o Big Brother que ele mesmo tinha destruído no famoso anúncio "1984", do Macintosh.


Anúncio do Macintosh exibido durante os comerciais do Super Bowl XVIII, em 22 de janeiro de 1984.


Por fim, analistas acreditam que esse sistema de controle rígido só funciona porque está limitado a um número pequeno de projetos. Os produtos podem ser acompanhados em tempo integral, do berço ao balcão, por uma equipe pequena e dedicada de desenvolvedores. Esse modelo provavelmente não se ajustaria em empresas como Samsung e Sony, compelidas a inovar em uma gama muito mais ampla de produtos. Ou como o Google, onde se tem a convicção de que um sistema aberto é a melhor abordagem, porque leva a mais opções, a mais concorrência e a mais escolhas para o consumidor.


A era pós-Jobs


Jobs foi obrigado a ceder o controle da empresa que havia construído em agosto de 2011 devido a um câncer de pâncreas e morreria em outubro do mesmo ano. Foi substituído por Tim Cook, um executivo que havia entrado na empresa em 1998 e desde então vinha se destacando e subindo de cargo. Cook, ao contrário do áspero e explosivo Jobs, tem uma personalidade centrada e fala mansa e tem hoje a obrigação de manter a empresa no topo, com seu perfil inovador e clientes fiéis. Mesmo tendo uma gestão vista como mais simpática, recentemente o próprio conselho administrativo da Apple declarou preocupação com o quesito inovação da empresa, exigindo também que Tim Cook acelere esse processo. Por outro lado, a Reuters publicou recentemente uma matéria dizendo que Cook lidera uma revolução cultural silenciosa na Apple, apontando que a empresa tem se tornado algo completamente diferente: "uma gigante corporativa madura ao invés de uma pioneira na indústria".


Tim Cook, CEO da Apple a partir de 2011.
Tim Cook, CEO da Apple a partir de 2011.

Se Cook vai conseguir remodelar com sucesso a cultura construída por Jobs e mesmo assim manter a Apple como uma das empresas mais influentes da atualidade só o tempo irá dizer.


Rafael Hoffmann (Maio/2014)
Publicado originalmente na revista Liderança Empresarial - Ano 2014 - Nº 41


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Referências


KAHNEY, Leander. How Apple Got Everything Right By Doing Everything Wrong. Disponível em <http://www.wired.co.uk/magazine/archive/2011/12/features/how-apple-got-everything-right>. Acesso em: 22 abr. 2014.
MARTINS, Ivan. Por dentro da Apple. Disponível em <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios/0,,EDG76676-8374-1,00.html>. Acesso em: 22 abr. 2014.
KAHNEY, Leander. A Cabeça de Steve Jobs: As Lições do líder da empresa mais revolucionária do mundo. Rio de Janeiro: Agir, 2008.
ISAACSON, Walter. Steve Jobs: A Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.



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